Sim, nós temos variações
Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas
atualizado 9 meses atrás
A língua portuguesa não é para os fracos, dizem os memes nas redes sociais. Na verdade, ela é muito rica, e as variações – sejam no tempo, no espaço ou nos diferentes contextos sociais – atestam essa verdade a todo momento. Só para dar um exemplo: no Rio de Janeiro, um menino brinca com sua pipa. Mas no Rio Grande do Sul, pipa é o enorme barril onde se guarda o vinho. E barril, na Bahia, é a pipa de brinquedo. Já as variações fonéticas ornam o falar brasileiro com melodia, ritmo e fonemas: são os sotaques e outros fenômenos linguísticos.
Como os professores, particularmente de língua portuguesa, devem lidar com a variedade do idioma em sua prática docente é o objetivo principal dos pesquisadores do projeto Variação Linguística em Sala de Aula (Vale), um grupo de pesquisa cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além das variações trazidas pelos próprios alunos, os professores precisam falar das outras, encontradas na literatura, na TV, na internet e em outros espaços ou meios.
O projeto busca analisar material didático já existente e elaborar novos que contemplem conteúdos das diferentes formas linguísticas, orais e escritas, e ao mesmo tempo combater os estereótipos (como o “falar caipira”) e os preconceitos (como o “falar nordestino”), ainda muito enraizados no país. Em síntese, é propiciar que o aluno tenha consciência da ideia de adequação linguística, de modo que leve em conta as diferentes situações sociais.
Para a professora Joyce Elaine de Almeida Baronas, do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas (CLCH) e coordenadora do Vale, é importante apresentar propostas didáticas mais adequadas aos professores, para evitar as abordagens superficiais ou estereotipadas. Ou pior: a variação linguística pode ser rara em alguns livros didáticos, reduzindo-se, de acordo com a pesquisadora, a um poema ou uma tirinha em quadrinhos, conteúdo para apenas uma aula e só. Sem dicionários, sem boas fontes. E boas fontes não faltam, lembra Joyce. O Atlas Linguístico do Brasil é só um exemplo de material científico, amplo e disponível.
“Claro que há livros que já apresentam boa abordagem”, aponta a professora, que entende que o livro didático só é aprovado se houver o conteúdo variacionista. O que ela e o grupo defendem é explorar mais ainda a riqueza da língua, expressa na riqueza textual do Brasil. Assim, da carta de Pero Vaz de Caminha aos e-mails corporativos, e da música de Lupicínio Rodrigues às do Ultraje a Rigor (“Inútil” só no título), há muito com o que trabalhar.
Livro
Os pesquisadores do Vale lançaram, no mês de abril, o livro “Variação linguística na escola”. A obra é uma realização do projeto com participação da professora Stella Maris Bortoni-Ricardo, docente aposentada da Universidade de Brasília (UnB). Junto com ela, a professora Joyce é organizadora dos capítulos que reúnem mais 11 pesquisadores. Além disso, ela tem, atualmente, 10 orientandos de doutorado no desenvolvimento de teses sobre variação e ensino.
Para o futuro próximo, a ideia é desenvolver um projeto de Extensão – já aprovado – para melhorar a formação dos professores e sua atuação em sala de aula, em ações de educação continuada que levem em conta cada professor e suas turmas.