Estudo traz relatos de mães que entregaram filhos à adoção

Departamento de Ginecologia e Obstetrícia


atualizado 2 meses atrás


Quando decidiu mergulhar em um tema tão caro à sua atuação como psicóloga do Tribunal de Justiça (TJ) da comarca de Cascavel, Gisele Castanheira dos Santos, egressa do curso de Psicologia da UEL, já havia se dedicado à entrega legal de recém-nascidos como objeto de estudo, porém sob a objetividade da norma jurídica. Para ela, ter analisado os avanços trazidos pela Lei 12.010 (Nova Lei da Adoção) na sua segunda graduação – em Direito – foi uma etapa muito importante, porém, ainda incapaz de atender por completo o seu desejo de compreender a experiência sob o ponto de vista de quem dá origem a uma nova vida.

A partir deste objetivo, Castanheira retornou ao Centro de Ciências Biológicas e se tornou orientanda da professora Sonia Regina Vargas Mansano, no Programa de Pós-graduação em Psicologia da UEL (PPGPSI). Em 2023, defendeu a dissertação intitulada “Mulheres Invisibilizadas: a experiência afetiva de entrega de um filho para adoção”.

“Chamou-me a atenção que (a entrega do filho para adoção) era um procedimento muito rápido. E essas mulheres traziam muito sofrimento, um estado de desalento. Elas buscavam ali no Fórum um cuidado, uma intenção de cuidado para essas crianças”, explica a psicóloga, que atua há 11 anos muito próximo de casos envolvendo mulheres em situação de vulnerabilidade e violência doméstica.

Mães

Com o intuito de investigar de forma profunda o estado psíquico das mães inseridas em uma situação tão delicada, Gisele Castanheira apresenta os relatos das quatro mulheres que compõem a pesquisa qualitativa. “O objetivo era realizar uma pesquisa no intuito de entender essa experiência afetiva em profundidade”, destaca. 

Para isso, contou com o apoio do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que permitiu o acesso a todos os processos de entrega e adoção de recém-nascidos, mantidos sob segredo de Justiça. Foram 47 processos envolvendo entrega legal e adoção mediados pelo Poder Judiciário em uma Comarca do Oeste do Paraná, entre a entrada em vigor da Nova Lei da Adoção, de 2009, e o ano de 2022. 

Após se debruçar sobre os processos, o segundo grande desafio foi convidar as personagens a colocar em palavras sua experiência, envolta por um processo de silenciamento, considera a pesquisadora. Ao todo, 13 mulheres foram convidadas a participar do estudo, porém a maioria relatou que não gostaria de tocar no assunto. 

“Essas mulheres têm muita dificuldade de falar sobre esse tema. O meio social não entende o sofrimento, o luto que envolve a entrega de um filho para adoção. Elas são muito julgadas. Então, essa censura do meio social se torna uma autocensura para estas mulheres”, acrescenta. “Elas vivem em um estado de aprisionamento subjetivo e desalento”, conceitua a pesquisadora. 

Quanto à falta de um olhar mais sensível até mesmo pelos profissionais envolvidos, Gisele destaca a fala de duas mães que relataram terem passado por um processo de coerção após o nascimento dos filhos durante o internamento no hospital. “Houve relatos de ações coercitivas. Duas delas queriam muito amamentar os bebês após o nascimento deles, mas relataram que foram impedidas pela equipe do hospital. Uma delas lutou, insistiu muito, até que conseguiu”, diz.

A pesquisadora pontua que o ato de entregar os filhos para adoção foi permeado de cuidado e preocupação dessas mulheres em relação aos bebês, atitude que se opõe ao mero abandono.

“Eu pude perceber que elas se amparam muito na confiança no Poder Judiciário de que essa nova família estará ofertando à criança o que elas não tinham condições, naquele momento, de ofertar. Há uma expectativa pelo reencontro com esse filho muito forte. Uma das mulheres relatou a despedida do filho, logo após o parto, em que segurou o bebê em seu colo e jurou para ele que um dia iria reencontrá-lo”, conta. 

Gisele Castanheira, pesquisadora.

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